A cidade murada de Kowloon foi um dos locais mais extraordinários e densamente povoados da história moderna. Situada em Hong Kong, esta estrutura única representou um microcosmo de organização social espontânea e sobrevivência urbana.

Neste artigo, vamos explorar os aspetos desta incrível cidade vertical que desafiou as convenções urbanísticas tradicionais.

A origem histórica da cidade murada de Kowloon

A história desta notável cidade remonta ao período da dinastia Song (960 a 1279), quando foi estabelecida como um posto militar para controlar o comércio de sal na região. No entanto, foi durante o período colonial britânico que a cidade murada de Kowloon ganhou as características que a tornaram mundialmente conhecida.

Após a primeira guerra do ópio, em 1842, Hong Kong foi cedida aos britânicos, mas a cidade murada permaneceu sob jurisdição chinesa, criando uma zona singular de autonomia.

Durante a ocupação japonesa na Segunda Guerra Mundial, as muralhas originais foram demolidas para a construção do aeroporto Kai Tak. Este evento marcou o início de uma nova fase para a cidade, que rapidamente se transformou num refúgio para milhares de imigrantes chineses que fugiam da guerra civil e do regime comunista.

A densidade populacional sem precedentes

A cidade murada de Kowloon tornou-se conhecida como o local mais densamente povoado do planeta. Num espaço de apenas 2,6 hectares, chegou a abrigar cerca de 30.000 a 50.000 habitantes.

O crescimento vertical da cidade foi impulsionado pela necessidade de acomodar o fluxo constante de novos moradores. Os edifícios, construídos sem planeamento oficial ou supervisão de engenheiros, chegavam a atingir 14 andares de altura. A proximidade entre os prédios era tal que os raios solares raramente alcançavam o nível da rua.

O quotidiano na cidade das sombras

A vida na cidade murada de Kowloon desenvolvia-se numa intrincada rede de becos, escadas e passagens estreitas. Os moradores criaram um sistema próprio de organização social, com regras não escritas que permitiam a coexistência num espaço tão reduzido. As atividades comerciais floresciam nos andares inferiores, onde se encontravam restaurantes, oficinas, clínicas dentárias e diversos tipos de pequenos negócios.

Os habitantes desenvolveram soluções criativas para os desafios do dia a dia. A distribuição de água e eletricidade era feita através de uma complexa rede informal de tubagens e fios. As pessoas adaptaram-se à falta de luz natural, criando um sistema de iluminação artificial que funcionava 24 horas por dia.

A influência das tríades e a ordem social

As tríades, organizações criminosas tradicionais chinesas, exerciam um papel significativo na gestão informal da cidade. Apesar da sua natureza ilegal, estas organizações estabeleceram um código de conduta que ajudava a manter a ordem num local onde a presença policial era praticamente inexistente.

No entanto, é importante notar que a maioria dos residentes eram trabalhadores honestos que procuravam uma vida melhor. Muitos eram artesãos qualificados, comerciantes e profissionais que contribuíam para a economia local.

O processo de demolição e transformação

Em 1987, o governo de Hong Kong anunciou a decisão de demolir a cidade murada de Kowloon. O processo de realojamento dos habitantes começou em 1991, em 1993 a demolição teve início e foi concluída em 1994. Esta decisão foi motivada por preocupações com as condições sanitárias e de segurança, além da necessidade de desenvolvimento urbano.

O local onde outrora existiu a cidade murada foi transformado num parque público, o Kowloon Walled City Park, que preserva elementos da antiga estrutura e conta a história deste lugar único através de exposições e monumentos.

O legado cultural e histórico

A cidade murada de Kowloon continua a fascinar pessoas em todo o mundo, inspirando obras de arte, filmes e estudos académicos. O seu legado vai além da história urbana, representando um exemplo único de auto-organização social e adaptação humana em condições extremas.

A experiência da cidade murada de Kowloon levanta questões importantes sobre urbanização, densidade populacional e organização social que permanecem relevantes nos dias de hoje, especialmente considerando o crescimento das megacidades asiáticas.

A cidade murada de Kowloon representa um capítulo extraordinário na história do desenvolvimento urbano. A sua existência desafiou as noções convencionais de planeamento urbano e demonstrou a notável capacidade de adaptação humana. Embora já não exista fisicamente, o seu legado continua a influenciar discussões sobre urbanização, densidade populacional e organização social em contextos modernos.

O parque que hoje ocupa o local serve como um lembrete desta experiência única de habitação humana, preservando a memória de uma comunidade que, apesar das suas limitações e desafios, conseguiu criar um modo de vida próprio e funcional dentro das suas peculiares circunstâncias.